quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Mapa

Tento me livrar nesta cidade, tento me ver livre nela

Tento me achar em suas avenidas e descampados

Tento achar trilhas nos vãos e vazios


E por mais portas que eu feche

Por mais voltas que dê nas chaves

Não me sinto imune

A cidade me habita


Tento sair ileso

Mas trago seu mapa inscrito no corpo

Suas ruas me atravessam

Suas travessas me cortam


Por mais que eu olhe a cidade de um golpe

Por mais que finja ser tudo vizinhança

A cidade me avança nos olhos

E me inunda de visão periférica


Daí, procuro separar a cidade em planos

Planejo fugas de seus caminhos

Quero redomas ao meu redor

Mas muros não há, só espaço


E é no espaço que a cidade separa

É no cruzar que a cidade se afasta

Para uns, o mapa é piloto

Para outros, o mapa é satélite

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

metrolinguagem

não é que assim, logo de manhã
no caminho do dia
no ônibus que sacoleja
me invade esse papel ocre
moldado a canetas e lápis de cor

me surpreende essa ironia
de que nessa manhã tranquila
no corriqueiro trânsito do dia
a beleza se distancie de si
e ponha-se tão displicente
a falar da violência da própria beleza

talvez lhe sobrem espelhos
ou seja que seu reflexo no mundo
volte a ela como beleza alheia
pode ser que ela esqueça, por fim
que os sorrisos que lhe chegam, se belos
o são por que para ela são

domingo, 22 de agosto de 2010

Away

Away do mundo.
Maldita seleção de mestrado.
Um dia eu volto.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

São Paulos

A Variant azul chegava capengando até o alto da serra, o carro cheio: pai, mãe, irmãos, malas, comida, garrafa d’água pela metade e ansiedade muita. Cruzar o Túnel da Mata Fria era como adentrar num mundo distante. Entrar na Serra da Cantareira era a certeza de que eu havia saído de casa, de que aquilo ali era uma viagem mesmo. Duas horas desde a Mantiqueira parecia uma viagem imensa. Naquela época, tempo era uma dimensão maior que espaço. O espaço pra mim era finito, fronteiras delimitadas: casa e escola em Pouso Alegre, casa da Tia e da Vó em São Paulo. Só as visitas à praia ensejavam que o mundo ia pra além disso, mas eu custava a acreditar.

No alto da serra eu ficava ansioso, esperando São Paulo se descortinar por entre os morros. Aquele contraste me fascinava, serra e mata, prédios e fumaça. Ainda hoje fascina. Mas eu tinha medo daquela cidade que parecia engolir a serra e a gente junto. Só que era um medo gostoso, medo de quando meu irmão me segurava pelos braços e me rodava no ar, até ficar tonto. Eu sabia que estava a ponto de cair, mas que não caía. Era esse misto de tensão e segurança que eu adorava. Eu sabia que passaria ileso por São Paulo, que meus pais dirigiriam por ruas conhecidas de uma vida, que a cada sinal fecharíamos os vidros com cuidado e que nosso carro era emplacado ali mesmo, sem dar bandeira de forasteiro, todos os cuidados milimétricos com a segurança da família. Todas as estratégias para sairmos ilesos de uma cidade da qual ninguém é imune. Assim, eu passeava por São Paulo como um moleque no zoológico: assistia abobado à cidade exótica e amedrontadora emoldurada pela janela de trás da Variant azul, como um filme. São Paulo era para mim, então, ficcional. Eu passava por suas avenidas, via seus monumentos, sentia o cheiro de suas águas, me encalorava de trânsito, mas saía ileso. Emoldurava a cidade na janela da Variant azul e ali me sentia seguro, como que sentado em frente à TV. Não me passava pela cabeça caminhar por aquelas ruas, embora conhecesse algumas em detalhes. Não me passava pela cabeça falar com aquela gente, embora guardasse suas feições. São Paulo era um filme que eu assistia no caminho pra casa da Vó.

Chegava na casa da Vó. Casa velha, circundada de chácaras há cinquenta anos, engolida pela periferia já por aquela época. Lembro de que no planejamento ficava sempre sem solução a segurança do carro, parado na calçada, denotando o conteúdo de classe média da casa. Nunca ficávamos relaxados e, cada pouco, um de nós ia à janela velar pela Variant azul. Ela nunca deixou de estar lá. Nem ela e nem os carros que vieram antes e depois. Mesmo hoje os carros permanecem lá, embora minha Vó já tenha ido. A casa da Vó era doces, pastéis, pizza, macarrão com frango, guaraná barato. Era um mundo diferente, mãe e filha, velha e meia idade, Vó e Tia, uma organização familiar que ainda não fazia sentido pra mim. Porque minha Vó enviuvou pra sempre? Por que minha Tia ficou pra tia? Uma casa de mulheres que vivia à sombra de homens idos: meu Vô há tantos anos, meu pai há uns quantos. Restava o quarto de meu pai, vazio de pessoas, abarrotado de objetos acumulados com os anos. Do meu Vô restava o galpão de carpinteiro, vazio e misterioso, que nos fazia fantasiar a rotina de migrante trabalhador, de artesão, mãos que fizeram os móveis mais bonitos da minha casa, mãos que eu nunca toquei.

Da casa dessa Vó e dessa Tia, íamos pra outra casa de Vó e outra Tia. Mais ficção paulistana no caminho até o ABC. Lá, mais doces, salgados, abraços, carinhos e brincadeiras com os primos, muito mais contidas do que as que tínhamos quando eram eles que iam nos visitar na roça.

Hoje ando por São Paulo num misto de despertencimento e familiaridade. Ando por ruas quase conhecidas, como conheço velhos atores de cinema clássico em preto e branco. São Paulo se descortinava para mim como um bloco de concreto maciço por detrás da serra, o mito de origem da família. São Paulo se descortina pra mim por detrás do concreto, como novidade e escolha. E eu gosto.

terça-feira, 13 de julho de 2010

ReTer

Hoje me peguei pensando
Com certa doçura de tristeza
Ao lembrar das mulheres que tive

Pensei se é possível ter alguém
Como os poetas machistas
Sempre a falar de suas mulheres

Daí pensei nas minhas, só nelas

Os amores eu tive
As lembranças retive
As mulheres se foram

De vez em quando alguém volta.

domingo, 4 de julho de 2010

Tô atrás

Ando assim, meio descompassado

Meio de mal com o passado

Todo sem saber pra que lado

Tô esperando pelo que não chega

Achando que nada chega

Que tudo nunca se preenche

Tô com os olhos meio inquietos

Com os olhares todos quietos

Meio cheio de tudo vazio

Tô míope com os óculos postos

Com os pensamentos indispotos

Cheio de deveres auto impostos

Tô esperando na estação

Cansado de não ação

Tô meio mal, tô não

Tô atrás

Tô atrasado.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Candangônica

Alguém atravessa a rua em brasília. Os carros se param todos. Os motoristas variam entre a sensação de dever cumprido após anos de adestramento cívico e a impaciência pra chegar logo à esplanada. Na verdade, a pressa é de sair logo do eixo lotado, porque a esplanada sempre pode esperar. Aos poucos, chega a multidão, sempre pequena no vazio do espaço. Eixo monumental lotado, dia de demonstração de força sindical, dia de fora alguém. No meio da confusão, uma praça, uma fonte e um buriti solitário assistindo a tudo, impassíveis: grandes congestionamentos, manifestações, violência policial, bicicletadas, visitas oficiais, despachos, usuários de crack, renúncias, posses, secas... No horizonte de junho, um balão de são joão se perde na poeira vermelha que os tratores levantam no setor noroeste, lembrando a agonia do cerrado. Depois do protesto, o endereço da cerveja varia, beirute, piauí, pôr-do-sol, meu bar, desfrute e os outros endereços de quem é de meio esquerda pra lá. Um grito de é de luta ecoa. As mesas nas calçadas das entrequadras, a porção de carne-de-sol, manteiga de garrafa e o pipoqueiro na esquina da SQN, ou S. Será que temos esquinas? Não, temos é quinas de quadra, que não é a mesma coisa, porque a esquina enseja algo além da vista, e aqui tudo se vê de longe, todos se vêem de longe. Uma cidade de eixos e cruzamentos, de carros e filas duplas, mas sem esquinas. Depois do bar, festa na unb, proibida e liberal, quebrar um nos bambus da fau. De vez em quando um beijaço quebra a rotina, expondo os contrastes da cidade, desenhada moderna, ocupada provinciana. A sorte é que o conic sempre nos desmente, desenhado quadrado, ocupado livremente. Dreadlocks de classe média atravessam a ponte do bragueto em seus jipes, saída norte pro feriado na chapada. Aqui tudo tem direção, cada rua aponta para um ponto, só que as pessoas têm medo, ou preguiça, de se apontar. Acontece que brasília é silêncio, principalmente quando há mais de uma pessoa no elevador. Da unb, se atravessa o descampado pra entrar nas superquadras norte, pra caminhar embaixo dos blocos, locus candango por excelência. O porteiro vai saindo, pra pegar o corujão pra planaltina, uma das poucas coisas que já estavam aqui antes do plano, quando tudo era só planalto e cerrado. No dia seguinte, é fácil se encontrar na rodoviária, curtindo um pastel da viçosa enquanto se rumina o transporte ruim da cidade planejada. Aqui, embaixo da rodoviária, onde o eixão se enfurna no buraco do tatu, brasília cruzou eixos pela primeira vez. Acontece que brasília já nasceu torta e teima em crescer fora dos eixos. No plano piloto, até os moradores de rua, os acampados dos descampados, têm vista pro congresso e pra bandeira que trêmula na praça dos três poderes. Os despoderados observando os poderes que se observam. Ironia a la candanga.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

OttottO

"Aqui é festa, amor, e há tristeza em minha vida."

Me senti como o personagem de Irvine Welsh em Trainspotting, que vai andando complamente maluco pelo show do Iggy Pop e entra em êxtase ao ouvir a frase "America takes drugs in psychic defense", porque sabe que aquele cara drogado no palco definiu uma geração em uma frase.

Foi assim quando o Otto cantou a frase acima.

domingo, 13 de junho de 2010

Metrônicas

A mulher sentava de costas para a janela do vagão de metrô. Tomava um mocca do Starbucks, tamanho extra-grande, que custava alguns poucos cents a mais que um tamanho grande e não muito mais cents do que um de tamanho pequeno. O copo se esfumaçava, açucares se dissolvendo, cheiro de canela. A mulher era negra e grande, meio velha. Olhava para o copo com dedicação. Sorvia goles mínimos, o máximo que a temperatura do líquido permitia. Seu rosto se contorcia em prazer. A cada gole, a espera, pautada em contemplação. O objeto amado, o ícone venerado. Cada olhar hipnótico interrompido com um novo gole, em mínima dosagem superior ao antecedente. E assim, o rito corria sempre ao ápice do prazer, o maior gole de todos, o último. Depois, resta ali um copo vazio, como um Deus despojado de sua deidade, resta o ícone, o involucrório a ser venerado. A cada olhar, a lembrança daquilo que já não é, o ícone se transmutando em conteúdo. Ainda mais vazio.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Grão

grão de pó
pedra desfeita
areia de rio
areia de mar
pequena fração
parte por milhão
da metade, metade, metade, metade, metade...
e ainda sim, como pode ser?
se dentro de tal quantidade
inda encontro a minha metade...

terça-feira, 20 de abril de 2010

Réquiem para um LG KF300

Pelas manhãs já não escuto sua música
Me despertando aos poucos, sem pressa
Durante o dia, já não o sinto junto a mim
Em sua suave vibração incessante
Já não durmo mais ao seu lado
Recarregando as energias todas
Você sempre tão esperto
Eu sempre tão perto
Como viver sem você?
Vou reaprendendo...
Já se perderam nossas imagens
Se apagaram nossas mensagens
E o jogo de Sudoku nível difícil ficou por terminar
Por que pifastes, ó celular?

quarta-feira, 31 de março de 2010

Poema às curvas de Minas

Minas é toda cheia de curvas...

Elas tão por toda parte

Elas tão nas silhuetas dos morros

Dos morros que em suas suaves, ou abruptas, curvas

Lembram os contornos das mulheres de Minas

As suaves e as abruptas

A curva se faz na conversa

Que sempre desvia e chega no ouvido do vizinho

E aí, a rua inteira já sabe!

Mas a curva tá na linguagem tamém

Tá nas palavras de todas partes, de todas cores

Tá no "r" bem redondinho mesmo

As curvas tão nos rios

Que corajosamente cortam vales

Entre montanhas tão maiores que eles!

E as curvas tão tamém nas nossas estradas

Que estreitas e esburacadas

Corajosamente atravessam as serras

E é depois da última curva de Minas

Que o mineiro chega em outras terras

Porque com tanta curva assim

O mineiro é um bichinho curioso

Que tá sempre querendo ver com a mão

E saber o que que tem do outro lado

Ali mesmo, depois da curva

E é por isso que se encontram mineiros em todas as esquinas do mundo

Mesmo nas cidades que não tem esquinas!

Mas aí, por mais civilizado que o mundo lá fora calha de querer ser

O mineiro descobre que não há nada mais moderno

Que pão-de-queijo no fogão-de-lenha

Que café-da-tarde, que missa das 7

Que praça lotada, que oi na rua

Que em vez de dizer "tchau"

Palavra curta e sem graça

Falá "vô subi o morro!"

E é por isso que o mineiro volta

E é por isso Minas

Que algumas curvas a mais

Eu pego a tangente

E volto.

* Amanhã eu volto... mas só vai dá tempo de robá uma galinha e dá uma maiada no Judas e já vô tê que disvoltá.....

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Só sei ser. O que?

Sou artista...

Artista de ler e interpretar,

Também de interpretar o lido.

Artista de ver e gostar,

Mas de pouco entender.

Artista inventor de ideia,

Artista sentado na plateia.

Artista quieto, calado,

Sem retorno ou iluminação.

Artista lento, parado,

Perdido e sem ação.

Artista de intenção nobre,

Mesmo que com rima pobre.

Artista sem desenhar, sem cantar, sem atuar, sem tocar, sem dançar,

Sou artista de olhar.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O Velho

_Na minha época a revolução nascia com as espinhas, hoje esses moleques só sabem gastar energia com besteira!

Sentado na cadeira de vime, o velho olhava o neto passar pro quarto e se não tivesse se acostumado a ser comunista e ateu a vida toda, acharia que o dia do juízo final havia chegado. Era, sem dúvida, uma geração perdida.

Estava meio fraco das pernas e tinha os olhos esbranquiçados da catarata, mas ainda dava algumas voltas no quarteirão todos os dias. Gritou que ia sair pra dar seu passeio e abriu a porta. Era começo de outono e o primeiro vento frio do ano atravessava rostos introspectivos. O velho ficou com medo de gripar-se, mas chegou na esquina e tomou uma decisão diferente: ao invés de contornar o quarteirão, atravessou a rua.

Toda a sua vida fizera o caminho do antigo casarão de janelas amarelas até a praça da Matriz antes de ir ao seu escritório, que ficava numa paralela da rua principal. A caminhada levava cerca de meia hora naquela época e a chegada ao escritório levava bem uma hora mais, porque sempre batia ponto nas mesinhas da praça, onde experientes jogadores de dominó viam a vida passar devagar, já sem idade pros bilhares e sem fígado pra cachaça. Pensou que nesta época já se sentia velho e achou uma ironia que hoje nem forças pra chegar até a praça tinha. Mas porque não uma vez mais? Poderia demorar horas, mas caminharia até a praça e jogaria outra vez dominó. Com a determinação de militante comunista clandestino que havia sido, e olhe que numa época em que a juventude local se preocupava apenas em escrever versinhos parnasianos, tomou a direção da praça.

Fazia anos que não andava por aquelas ruas, suas velhas conhecidas. Se sentiu um estrangeiro em sua própria terra, com a complicação de que nunca a havia deixado, apenas se enfurnara dentro de si uns longos anos, não apenas pela saúde frágil, mas também pelo profundo rancor que teve pela vida depois de velho. Rancor da família, que cada vez o compreendia menos, e que a cada geração piorava, sendo os últimos netos uns meninos mimados e frouxos. Rancor da política, dominada primeiro pelos militares, depois por uns demagogos sem determinação. Rancor pelos comunistas de hoje, escassos e vendidos, que deveriam envergonhar ao velho Prestes no túmulo. Rancor da música, vulgar e burguesa. Rancor dos homens, cada vez mais fracos, que agora se impungiam tarefas domésticas como se fossem moças. Rancor do país, que trocava o patriotismo tão estimado de sua geração por uma invasão de cultura estrangeira, esta também burguesa. Rancor profundo do mundo todo e de todas as mudanças que os idiotas comemoravam pelas ruas.

Andou as quadras pausadamente, parando para respirar a cada poucos passos. Viu as barracas de pastel de farinha de milho de rua, o que era para ele proibido, já que tinha o colesterol alto desde os 60 e alguma coisa. Viu que as barracas eram todas novas e limpas, e que por certo a prefeitura deveria ter feito alguma exigência sanitária idiota. Parou pra comer um pastel de carne, afinal, não era todo dia que tinha a liberdade de andar pelas ruas fazendo o que bem entedesse. É, ainda eram bons os pastéis, ainda que a tradicional caçulinha de guaraná tivesse se prostituído, e agora se podia escolher vários sabores, como laranja e limão, mas graças a Deus, não, graças a Deus não fica bem pra comunista... por sorte é melhor, é sim, por sorte ainda não tinham inventado caçulinha de coca, isso sim que seria o fim.

Continuou a andar, agora com mais dificuldade, um passo após o outro e entre os dois, um longo intervalo, pra recuperar o fôlego e a coragem, já que ele não sabia ao certo se a falta de ar era de cansaço ou tristeza. Chegou na rua principal, mas em uma altura ainda distante da praça. Viu que as quadras todas estavam invadidas por lojas de roupas e bancos. Finalmente os burgueses e banqueiros tinham dominado por completo o país. Passou em frente ao antigo cinema, onde em sua época os rapazes traziam as namoradas, não importando o filme, mas sim a penumbra da sala. Era um prédio antigo e imponente ainda, mas o cinema já não existia há muitos anos, pois em algum momento fora substituído por uma dessas lojas de elotrodomésticos que arrebentam a paciência nos comerciais da televisão.

Ainda era um pouco cedo e as ruas ainda não estavam abarrotadas de gente, porém o movimento já era razoável e as pessoas passavam pelo velho olhando meio de lado, tentando respeitar um senhor daquela idade, mas já meio impacientes com aquele obstáculo quase imóvel na calçada. O velho seguia alheio a tudo isso, e se percebesse, iria ainda mais devagar, pra essa gente besta aprender a respeitar um senhor de idade.

Viu que alguns casarões de sua época haviam sido demolidos, dando lugar a prédios feios, que não se encaixavam com os antigos. O velho teve certeza de que a memória da cidade morria, assim como ele mesmo. Naquele momento se sentiu tão parte da cidade, que teve certeza de que ambos não eram apenas velhos na idade, mas também no espírito, e que nos últimos anos haviam assistido passivos às atrocidades cometidas em suas ruas, em plena luz do dia. Ambos morriam pouco a pouco de desgosto.

Viu ao longe a cúpula das árvores e as pontas das torres da igreja. A cruz ainda dominava a paisagem da cidade, sendo que por todos os lados que se andasse não era possível se ver livre de uma igreja, e agora não só da católica, mas de uma série de outras, que eram tantas já, e se multiplicavam com tal rapidez, que seu cérebro cansado jamais conseguia lembrar os nomes.

Passou em frente à escola pública onde ele mesmo havia estudado, um casarão de mais de cem anos, que em sua época formava os alunos mais disciplinados e preparados da cidade. Viu uma série de estudantes matando aula e teve certeza de que os métodos disciplinares já não eram os mesmos. Que falta que fazia uma palmatória.

A praça estava ali já, logo em frente. Foi indo em direção à faixa de pedestres que levava à ponta da praça e teve o maior desgosto do dia: em plena praça, em um prédio em que antes funcionava o café em que ele e outros poucos se encontravam para discutir literatura de esquerda, muitas vezes à meia voz, existia agora um dessas lanchonetes americanas, vendendo merda em caixinhas vermelhas. Essa era a prova final de que a esperança havia acabado. Frouxos! Burgueses! Entreguistas!

Atravessou a rua e entrou na praça. Caminhou em direção a onde ficavam as mesas de dominó. Não existiam mais mesas de dominó.

Sentiu-se apenas um velho qualquer, numa praça qualquer, sentado em um banco e vendo a vida acabar aos poucos. Chorou. Não havia chorado nem no velório de sua finada esposa. Pela primeira vez depois de adulto, chorou em público. As pessoas o olhavam com pena e ele sentiu uma vergonha profunda, mas não conseguia parar. Soluçava.

Sempre que um filho chorava, ele mandava engolir o chôro. Homem não chora. Agora ele chorava em plena praça. Até ele tinha se tornado um frouxo. A urina começou a escorrer pelas pernas. Tinha se mijado.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Lembrete

Hoje pensei num poema, mas quando fui escrever, esqueci.
De noite eu tive um sonho, mas quando acordei, esqueci.
Ontem fiz planos para o futuro, mas quando o futuro chegou, esqueci.
De manhã pensei nas coisas que tinha por fazer, mas lá pelo almoço, esqueci.
Agora há pouco pensei em coisas pra te dizer, mas agora que você está aqui, esqueci.
Desde muito acho que te quero bem, mas agora que você é presença, esqueci.
Sei escrever meu nome e sobrenome, mas agora que me apresento a você, esqueci.
Pensava conhecer sua língua, mas agora que sua boca está fechada, esqueci.
Costumava saber o que era felicidade, mas neste exato momento, esqueci.
Tinha lido auto-ajuda, mas sem alguém que me acuda, esqueci disso também.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Sexo postmoderno

Tengo antojo de desvelarme contigo
De revelar sus partes escondidas
Bajo un ancho vesitdo chiapaneco
Tengo ganas de viajar en ti
Percurriendo sus caminos angostos
Perdiendome en tus opacos señales
Y canalizar toda mi sutil fuerza bruta
En las curvas opuestas de sus piernas
Quiero decirte al oído mis buenas palabras
Aunque tu simules muy bien creerme
Y yo simule que no te olvidaré jamás.
Pero me encantaría más la mútua comprensión
De la belleza de este momento impersonal
Caliente y libre, placentero y olvidable
Y de que mañana los caminos serán dos.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A small world after mall

Ciganos punks
Um jeito junkie
De Berlim

Gatinhas freaks
No pós-manguebeat
De Recife

Neoanarquistas
Nos ativistas
De Seatle

Turista iankee
No baile funk
Da Baixada

Uma gay pasion
No mundo fashion
De Milão

Comus de orkut
Pseudo-cults
De Brasília

Travel tips
Entre os hippies
De La Paz

Onde sou agora?

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

La canción del olvido

_ Un artista nunca debe sobrevivir a sus fans, bajo la pena capital del olvido.
Así decía el viejo, poco antes de morir, a los noventa y pico. El médico que lo atendió dijo que murió de vejez. El padre que le dio la extremaunción comentó del vacío que le envolvía, convirtiéndole en una bolsa de huesos. Sin embargo, sus ojos ya cerrados, podrían haber dicho la causa mortis a cualquiera que los hubiera visto: el olvido.
Es sorprendente que un bohemio como él hubiera pasado de los noventa. Su menor preocupación siempre fue la salud, la cual sacrificaba en nombre de buenos vinos, diversión y creatividad artística, tres cosas imprescindibles e indisociables para él. Así que mientras su hígado ahogaba en un pantano de alcohol, sus telas ganaban en colores y perspectivas. Su arte le dio cierto reconocimiento, así que él caminaba sin embarazo en los círculos artísticos de la ciudad. Sus muchos amores fueron atribulados, como conviene a un gran genio creativo: mujeres problemáticas, sí, pero ¡qué mujeres! Por todo eso, ganó un extenso grupo de fans, que le garantieron una vida financiera tranquilla hasta cerca de los ochenta, además de algunas tesis académicas.
Tuvo él un único defecto que echó todo a perder: vivió demasiado. Cómo su cuerpo resistió a todos los años de extravagancias y bohemia, eso nadie sabe al cierto. La cosa es que sobrevivió más do que todos esperaban y, lo peor, sobrevivió a todos los que esperaban alguna cosa. Al año de su muerte, ya nadie sabía de quien se trataba y era apenas conocido como el viejo extravagante del final de la calle. Para los vecinos, ya no estaba muy bien de la cabeza, y la única presencia en su casa era un enfermero gordo y callado.
A él, el viento de las tardes vacías de ahora apenas venía a cantarle la canción del olvido. Antes, las tardes eran su momento de máxima inspiración: cuando el calorcito de las dos invitaba a una siesta y el mundo todo parecía suspenso, el viento fresco le convertía en un artista hiperactivo. Ahora tenía tedio, nomás.
Todos estaban muertos. Mismo los fans más jóvenes habían perecido a la vida bohemia de su clase y de su tiempo. Sus obras ya no estaban más en las galerías y los museos las habían ignorado. Las muchas telas que vendiera a admiradores del arte y a ricos mecenas, yacían en depósitos, olvidadas por los hijos de aquellos, que no sabían dónde poner aquella incómoda herencia. En algunas casas, todavía figuraban en las paredes, pero ya no como una gran obra de arte, y sí como una antigua vanguardia, un kitsch que adornaba los corredores poco alumbrados.
El viejo, entonces, vociferaba para el enfermero desde su catre:
_ Mundo asesino, nos dio la luz para un día robarla, sin más. Te digo mi hijo, que triste es el poeta que tiene los versos olvidados antes de que él mismo los olvide.
Pero el enfermero no le hacía caso, quedaba callado nomás.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Respirando

O que acontece quando a gente se dá conta que está vivendo? Confessar estar vivo é uma das coisas mais difíceis e intensas que pude experimentar. A epifania de sentir-se vivo é muito mais do que acordar, dormir e comer todos os dias. É muito mais do que qualquer clichê em ppt enviado em correntes de e-mails. É mais do que rezar e transar ou outras experiências divinas. E no fim, é também muito menos que isso, é mais simples e profundo. É mais que um livro de auto-ajuda, é mais que programa Sílvio Santos, é mais que cachaça e festa. Mas é tudo isso.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Recuerdos de Tijuana

Canción del muro

El Sur lo llevo bajo los pies
Lo llevo sobre la lengua
En el polvo de los caminos
En progresos imaginados
En lágrimas de descamino

Pal’ Norte llevo nomás la mirada
Y llevo unos cuantos dólares
Para el hambre de los coyotes

Entre Norte y Sur hay un río, un muro y un mundo.

Los cruzo todos.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Parte de mim

Uma parte da arte parte de mim
Pois nenhuma obra é finita
Já que a arte não é só um fim

Classifico cada qual do seu lado
Pra depois perguntar intrigado:
No consumo que faço calado,
Quanto da obra é meu significado?

De quem ler estes versos,
O que posso esperar?
Que me confie algum nexo
Ou que me leia ao inverso?

Da arte de me fazer ouvir,
O que posso esperar?
Que me julguem discurso
Ou frase solta no ar?

Inclusão digital pessoal

Ocupando espaços virtuais: orkut, my space, facebook, skoob, twitter e, agora, blog...

Ocupação feita. Hora da resistência.