segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Só sei ser. O que?

Sou artista...

Artista de ler e interpretar,

Também de interpretar o lido.

Artista de ver e gostar,

Mas de pouco entender.

Artista inventor de ideia,

Artista sentado na plateia.

Artista quieto, calado,

Sem retorno ou iluminação.

Artista lento, parado,

Perdido e sem ação.

Artista de intenção nobre,

Mesmo que com rima pobre.

Artista sem desenhar, sem cantar, sem atuar, sem tocar, sem dançar,

Sou artista de olhar.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O Velho

_Na minha época a revolução nascia com as espinhas, hoje esses moleques só sabem gastar energia com besteira!

Sentado na cadeira de vime, o velho olhava o neto passar pro quarto e se não tivesse se acostumado a ser comunista e ateu a vida toda, acharia que o dia do juízo final havia chegado. Era, sem dúvida, uma geração perdida.

Estava meio fraco das pernas e tinha os olhos esbranquiçados da catarata, mas ainda dava algumas voltas no quarteirão todos os dias. Gritou que ia sair pra dar seu passeio e abriu a porta. Era começo de outono e o primeiro vento frio do ano atravessava rostos introspectivos. O velho ficou com medo de gripar-se, mas chegou na esquina e tomou uma decisão diferente: ao invés de contornar o quarteirão, atravessou a rua.

Toda a sua vida fizera o caminho do antigo casarão de janelas amarelas até a praça da Matriz antes de ir ao seu escritório, que ficava numa paralela da rua principal. A caminhada levava cerca de meia hora naquela época e a chegada ao escritório levava bem uma hora mais, porque sempre batia ponto nas mesinhas da praça, onde experientes jogadores de dominó viam a vida passar devagar, já sem idade pros bilhares e sem fígado pra cachaça. Pensou que nesta época já se sentia velho e achou uma ironia que hoje nem forças pra chegar até a praça tinha. Mas porque não uma vez mais? Poderia demorar horas, mas caminharia até a praça e jogaria outra vez dominó. Com a determinação de militante comunista clandestino que havia sido, e olhe que numa época em que a juventude local se preocupava apenas em escrever versinhos parnasianos, tomou a direção da praça.

Fazia anos que não andava por aquelas ruas, suas velhas conhecidas. Se sentiu um estrangeiro em sua própria terra, com a complicação de que nunca a havia deixado, apenas se enfurnara dentro de si uns longos anos, não apenas pela saúde frágil, mas também pelo profundo rancor que teve pela vida depois de velho. Rancor da família, que cada vez o compreendia menos, e que a cada geração piorava, sendo os últimos netos uns meninos mimados e frouxos. Rancor da política, dominada primeiro pelos militares, depois por uns demagogos sem determinação. Rancor pelos comunistas de hoje, escassos e vendidos, que deveriam envergonhar ao velho Prestes no túmulo. Rancor da música, vulgar e burguesa. Rancor dos homens, cada vez mais fracos, que agora se impungiam tarefas domésticas como se fossem moças. Rancor do país, que trocava o patriotismo tão estimado de sua geração por uma invasão de cultura estrangeira, esta também burguesa. Rancor profundo do mundo todo e de todas as mudanças que os idiotas comemoravam pelas ruas.

Andou as quadras pausadamente, parando para respirar a cada poucos passos. Viu as barracas de pastel de farinha de milho de rua, o que era para ele proibido, já que tinha o colesterol alto desde os 60 e alguma coisa. Viu que as barracas eram todas novas e limpas, e que por certo a prefeitura deveria ter feito alguma exigência sanitária idiota. Parou pra comer um pastel de carne, afinal, não era todo dia que tinha a liberdade de andar pelas ruas fazendo o que bem entedesse. É, ainda eram bons os pastéis, ainda que a tradicional caçulinha de guaraná tivesse se prostituído, e agora se podia escolher vários sabores, como laranja e limão, mas graças a Deus, não, graças a Deus não fica bem pra comunista... por sorte é melhor, é sim, por sorte ainda não tinham inventado caçulinha de coca, isso sim que seria o fim.

Continuou a andar, agora com mais dificuldade, um passo após o outro e entre os dois, um longo intervalo, pra recuperar o fôlego e a coragem, já que ele não sabia ao certo se a falta de ar era de cansaço ou tristeza. Chegou na rua principal, mas em uma altura ainda distante da praça. Viu que as quadras todas estavam invadidas por lojas de roupas e bancos. Finalmente os burgueses e banqueiros tinham dominado por completo o país. Passou em frente ao antigo cinema, onde em sua época os rapazes traziam as namoradas, não importando o filme, mas sim a penumbra da sala. Era um prédio antigo e imponente ainda, mas o cinema já não existia há muitos anos, pois em algum momento fora substituído por uma dessas lojas de elotrodomésticos que arrebentam a paciência nos comerciais da televisão.

Ainda era um pouco cedo e as ruas ainda não estavam abarrotadas de gente, porém o movimento já era razoável e as pessoas passavam pelo velho olhando meio de lado, tentando respeitar um senhor daquela idade, mas já meio impacientes com aquele obstáculo quase imóvel na calçada. O velho seguia alheio a tudo isso, e se percebesse, iria ainda mais devagar, pra essa gente besta aprender a respeitar um senhor de idade.

Viu que alguns casarões de sua época haviam sido demolidos, dando lugar a prédios feios, que não se encaixavam com os antigos. O velho teve certeza de que a memória da cidade morria, assim como ele mesmo. Naquele momento se sentiu tão parte da cidade, que teve certeza de que ambos não eram apenas velhos na idade, mas também no espírito, e que nos últimos anos haviam assistido passivos às atrocidades cometidas em suas ruas, em plena luz do dia. Ambos morriam pouco a pouco de desgosto.

Viu ao longe a cúpula das árvores e as pontas das torres da igreja. A cruz ainda dominava a paisagem da cidade, sendo que por todos os lados que se andasse não era possível se ver livre de uma igreja, e agora não só da católica, mas de uma série de outras, que eram tantas já, e se multiplicavam com tal rapidez, que seu cérebro cansado jamais conseguia lembrar os nomes.

Passou em frente à escola pública onde ele mesmo havia estudado, um casarão de mais de cem anos, que em sua época formava os alunos mais disciplinados e preparados da cidade. Viu uma série de estudantes matando aula e teve certeza de que os métodos disciplinares já não eram os mesmos. Que falta que fazia uma palmatória.

A praça estava ali já, logo em frente. Foi indo em direção à faixa de pedestres que levava à ponta da praça e teve o maior desgosto do dia: em plena praça, em um prédio em que antes funcionava o café em que ele e outros poucos se encontravam para discutir literatura de esquerda, muitas vezes à meia voz, existia agora um dessas lanchonetes americanas, vendendo merda em caixinhas vermelhas. Essa era a prova final de que a esperança havia acabado. Frouxos! Burgueses! Entreguistas!

Atravessou a rua e entrou na praça. Caminhou em direção a onde ficavam as mesas de dominó. Não existiam mais mesas de dominó.

Sentiu-se apenas um velho qualquer, numa praça qualquer, sentado em um banco e vendo a vida acabar aos poucos. Chorou. Não havia chorado nem no velório de sua finada esposa. Pela primeira vez depois de adulto, chorou em público. As pessoas o olhavam com pena e ele sentiu uma vergonha profunda, mas não conseguia parar. Soluçava.

Sempre que um filho chorava, ele mandava engolir o chôro. Homem não chora. Agora ele chorava em plena praça. Até ele tinha se tornado um frouxo. A urina começou a escorrer pelas pernas. Tinha se mijado.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Lembrete

Hoje pensei num poema, mas quando fui escrever, esqueci.
De noite eu tive um sonho, mas quando acordei, esqueci.
Ontem fiz planos para o futuro, mas quando o futuro chegou, esqueci.
De manhã pensei nas coisas que tinha por fazer, mas lá pelo almoço, esqueci.
Agora há pouco pensei em coisas pra te dizer, mas agora que você está aqui, esqueci.
Desde muito acho que te quero bem, mas agora que você é presença, esqueci.
Sei escrever meu nome e sobrenome, mas agora que me apresento a você, esqueci.
Pensava conhecer sua língua, mas agora que sua boca está fechada, esqueci.
Costumava saber o que era felicidade, mas neste exato momento, esqueci.
Tinha lido auto-ajuda, mas sem alguém que me acuda, esqueci disso também.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Sexo postmoderno

Tengo antojo de desvelarme contigo
De revelar sus partes escondidas
Bajo un ancho vesitdo chiapaneco
Tengo ganas de viajar en ti
Percurriendo sus caminos angostos
Perdiendome en tus opacos señales
Y canalizar toda mi sutil fuerza bruta
En las curvas opuestas de sus piernas
Quiero decirte al oído mis buenas palabras
Aunque tu simules muy bien creerme
Y yo simule que no te olvidaré jamás.
Pero me encantaría más la mútua comprensión
De la belleza de este momento impersonal
Caliente y libre, placentero y olvidable
Y de que mañana los caminos serán dos.