Caros senhores, não levem a mal estes roucos lamentos
Pois é através da fala que desato os nós do desabafo
De modo que gostaria de já pedir sinceras desculpas aos senhores
Mesmo que o palestrar seja ainda tão breve
Peço que relevem estas palavras ruidosas de catarro
É minha garganta, não os olhos, que umedece a fala
(Camarada, traga mais uma bebida, faça o favor
Que é sem dúvida o copo o ouvinte mais paciente)
Veneráveis colegas, perdoem se não vos reconheço
É essa aridez de julho que embaça-me a visão
Mas sem dúvida encontro-os nobres cavalheiros
Sendo, por isso, que faço esta breve nota explicativa
Obviamente apenas a título de mera introdução
E se falo em tais brados para tão seleta plateia
É que este mundo teima em fechar-me os ouvidos
Assim que é preciso erguer a voz para fazer-se escutar
Pois vejo que em dileta companhia encontro-me
De modo que não serei módico em minha fala
Não pouparei esforços para bem expressar-me
Pautando que o altíssimo nível dos espectadores
Permite-me o requinte de laurear as orações
Com o cabido recurso da riqueza vocabular
Fazendo com que a angústia destas palavras
Não acabe com todo o gosto de ouvirem-me
Agora vou diretamente ao cerne da questão
Ao perceber que já quase extrapolo o tempo
Que o bom senso separa ao meu cansado lamurio
Até por que acabo de perceber que os sábios senhores
Meus nobres interlocutores nesta escura e fria madrugada
Já não demonstram todo o entusiasmo do princípio
De modo que é de bom tom encerrar logo o preâmbulo
Para adentrar de uma vez na carne mesma de meu discurso
Doutos companheiros, perdoem pois o possível enfado
Que pode lhes causar estas minhas gratuitas lacrimosidades
Creio que alcançarei tê-las justificadas plenamente
Pela urgência em dizer-lhes tudo o quanto tenho anseio
Pela necessidade de compartilhar com os bons, no caso os senhores,
As minhas mais recentes descobertas acerca do mundo
Frutos, estas, do mais profundo e doloroso aprendizado
Possibilitado pelo decifrar do texto que a vida escreve por cicatrizes
Por fim, renomada audiência desta minha dialética solitária
Novamente desculpo-me caso canse vossos diletos ouvidos
Mas hão de dar-me razão tão logo ao término deste colóquio
Pois trago a placidez de saber-me arauto de notícias da nova era
(Se me permitem, claro, esta quase que mística metáfora)
Livre de confundir ingenuamente o novo com o bom
Devo confessar-me pessimista, o que foi por mim denunciado desde o começo
Antes de transmitir-lhes a mais premente das mensagens
Noto que os senhores estão a perguntarem-se, entre cochichos
Por que aqui, e por que agora, dá-se este inusitado momento
E devo dizer-lhes com toda a segurança e comiseração
Que quis a divina providência, a qual tenho enorme apego
De que vos calhasse a missão de escutarem-me esta noite
Pois vejo em vossos corações a coragem e sensibilidade necessárias
Para arcar com o peso deste monólogo cheio de significados
O qual exigirá dos senhores um ônus de não pouca responsabilidade
É, portanto, desta maneira que me encaminho ao final, meus honrosos senhores
Exaltando vossas qualidades, tão vastas quanto vossos deveres
Sabendo que assim dou por encerrado o fardo que é esta minha sina
E se sobre meus ombros paira a melancolia em lugar de alívio
É por ter a certeza inabalável de haver feito nada mais que o necessário
É por ter a clarividência da conturbação do tempo em que entramos
Assim que é por isso que não quero tomar sequer um minuto mais dos dignos senhores
E com pressa vos digo tudo aquilo que vos é preciso dizer:
Distintos senhores, a vida nunca será suficiente, pois que o pranto é rio perene. Agora façam-me o favor de irem a merda.
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