quarta-feira, 22 de junho de 2011

Educação sentimental

O ônibus de São Paulo estava sempre cheio e atrasado. Mesmo assim, nossa mãe sempre cumpriu o ritual de esperar a fila quase terminar pra caminhar em direção ao ônibus, aproveitando os silenciosos minutos de espera para velar nossos corpos de filho, pressentindo a separação iminente da carne. No entanto, assim também agia em descarnadas separações, umas com mais outras com menos vivacidade, porém sempre exigindo um retorno pródigo.



Daí que sempre um dia ou dois depois do Natal, ela levava a gente na rodoviária pra despedir da Tia. Esperavam todos sentados nas banquetas de cimento, menos nossa mãe, que tinha nojo dos assentos e das nossas roupas poluídas de cidade.



Pra despedir da Tia nossa mãe preparava a gente com antecedência: depois do banho tomado vestia a gente com os presentes ganhos e exigia a cara boa, responsabilidade de sobrinhos únicos. O ônibus chegava e a gente meio que na passividade. Ao ver o inevitável, a gente carregava as malas da Tia até a porta e, se pesadas demais, eu subia no ônibus, maravilhado de pisar naquele lugar tão sumidiço, sentindo ponta de inveja daquelas pessoas, que tinham pela frente quatro horas de poltronas e serras.



Na longa espera entre a porta fechar e o ônibus sair, depois de efusivas despedidas, a gente ficava em pé de frente pro embarque. Nossa mãe exigia uma voluntariosa coreografia: “A Tia tá olhando!”. Quatro mãos se levantavam e agitavam o ar, ao que uma respondia entre cabeças e janelas. Era o teatro de gostar da Tia.

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