segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Eu gostaria de fazer uma observação

Caros senhores, não levem a mal estes roucos lamentos

Pois é através da fala que desato os nós do desabafo

De modo que gostaria de já pedir sinceras desculpas aos senhores

Mesmo que o palestrar seja ainda tão breve

Peço que relevem estas palavras ruidosas de catarro

É minha garganta, não os olhos, que umedece a fala

(Camarada, traga mais uma bebida, faça o favor

Que é sem dúvida o copo o ouvinte mais paciente)


Veneráveis colegas, perdoem se não vos reconheço

É essa aridez de julho que embaça-me a visão

Mas sem dúvida encontro-os nobres cavalheiros

Sendo, por isso, que faço esta breve nota explicativa

Obviamente apenas a título de mera introdução

E se falo em tais brados para tão seleta plateia

É que este mundo teima em fechar-me os ouvidos

Assim que é preciso erguer a voz para fazer-se escutar


Pois vejo que em dileta companhia encontro-me

De modo que não serei módico em minha fala

Não pouparei esforços para bem expressar-me

Pautando que o altíssimo nível dos espectadores

Permite-me o requinte de laurear as orações

Com o cabido recurso da riqueza vocabular

Fazendo com que a angústia destas palavras

Não acabe com todo o gosto de ouvirem-me


Agora vou diretamente ao cerne da questão

Ao perceber que já quase extrapolo o tempo

Que o bom senso separa ao meu cansado lamurio

Até por que acabo de perceber que os sábios senhores

Meus nobres interlocutores nesta escura e fria madrugada

Já não demonstram todo o entusiasmo do princípio

De modo que é de bom tom encerrar logo o preâmbulo

Para adentrar de uma vez na carne mesma de meu discurso


Doutos companheiros, perdoem pois o possível enfado

Que pode lhes causar estas minhas gratuitas lacrimosidades

Creio que alcançarei tê-las justificadas plenamente

Pela urgência em dizer-lhes tudo o quanto tenho anseio

Pela necessidade de compartilhar com os bons, no caso os senhores,

As minhas mais recentes descobertas acerca do mundo

Frutos, estas, do mais profundo e doloroso aprendizado

Possibilitado pelo decifrar do texto que a vida escreve por cicatrizes


Por fim, renomada audiência desta minha dialética solitária

Novamente desculpo-me caso canse vossos diletos ouvidos

Mas hão de dar-me razão tão logo ao término deste colóquio

Pois trago a placidez de saber-me arauto de notícias da nova era

(Se me permitem, claro, esta quase que mística metáfora)

Livre de confundir ingenuamente o novo com o bom

Devo confessar-me pessimista, o que foi por mim denunciado desde o começo

Antes de transmitir-lhes a mais premente das mensagens


Noto que os senhores estão a perguntarem-se, entre cochichos

Por que aqui, e por que agora, dá-se este inusitado momento

E devo dizer-lhes com toda a segurança e comiseração

Que quis a divina providência, a qual tenho enorme apego

De que vos calhasse a missão de escutarem-me esta noite

Pois vejo em vossos corações a coragem e sensibilidade necessárias

Para arcar com o peso deste monólogo cheio de significados

O qual exigirá dos senhores um ônus de não pouca responsabilidade


É, portanto, desta maneira que me encaminho ao final, meus honrosos senhores

Exaltando vossas qualidades, tão vastas quanto vossos deveres

Sabendo que assim dou por encerrado o fardo que é esta minha sina

E se sobre meus ombros paira a melancolia em lugar de alívio

É por ter a certeza inabalável de haver feito nada mais que o necessário

É por ter a clarividência da conturbação do tempo em que entramos

Assim que é por isso que não quero tomar sequer um minuto mais dos dignos senhores

E com pressa vos digo tudo aquilo que vos é preciso dizer:


Distintos senhores, a vida nunca será suficiente, pois que o pranto é rio perene. Agora façam-me o favor de irem a merda.



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